Projeto Traduções LIVRES
A morte de George Floyd, em contexto
Link: https://www.newyorker.com/news/daily-comment/the-death-of-george-floyd-in-context
Veículo: Nytimes.com
Data de publicação: 28/05/2020
Autorx: Jelani Cobb
Título original: The Death of George Floyd, in Context
Traduzido por/Translated by: Rafaela Morelli
Dois incidentes separados por doze horas e mil e duzentas milhas assumiram a aparência do controle e da variável em um experimento grotesco sobre raça nos Estados Unidos. Na segunda-feira de manhã, no Central Park da cidade de Nova York, uma mulher branca chamada Amy Cooper ligou para o 190 e disse ao despachante que um homem afro-americano a estava intimidando. O homem de quem ela estava falando, Christian Cooper, sem relação de parentesco, filmou a ligação em seu telefone. Eles estavam no Ramble, uma parte do parque preferida por observadores de pássaros, incluindo Christian Cooper, e ele simplesmente pediu para que ela colocasse a coleira em seu cachorro - algo que é obrigatório na área. No vídeo, antes de fazer a ligação, Amy Cooper adverte Christian Cooper que ela "vai dizer a eles que há um homem afro-americano ameaçando minha vida". Sua menção desnecessária da raça do homem que ela teme serve apenas para convocar o impulso antigo de proteger a mulher branca das ameaças representadas pelos homens pretos. Para qualquer pessoa com uma memória longa o suficiente ou que assistiu recentemente o suficiente a série "When They See Us" (Olhos Que Condenam, no Brasil), o local dessa briga se torna parte da história: sabemos o que aconteceu com cinco jovens pretos e pardos que foram falsamente acusados de atacar uma mulher branca no Central Park.
Na noite de segunda-feira, em Minneapolis, no estado de Minnesota, um homem preto de 46 anos chamado George Floyd morreu de uma maneira que destacou as implicações que ligações como a que Amy Cooper fez podem ter; George Floyd é quem Christian Cooper poderia ter sido. (A polícia não fez prisões e não pediu intimação no Central Park. Amy Cooper se desculpou por suas ações; ela também foi demitida de seu emprego.) A polícia que atendeu a uma ligação de um lojista sobre alguém tentando aprovar uma nota potencialmente falsificada, prendeu Floyd. O vídeo de vigilância mostra um homem complacente sendo levado algemado. Mas o vídeo de um celular mais tarde mostra um policial branco ajoelhado no pescoço de Floyd por sete minutos, apesar dos protestos dos espectadores de que sua vida estava em risco. Em um eco do assassinato policial de Eric Garner, em 2014, Floyd diz repetidamente "não consigo respirar" e, em seguida, "estou prestes a morrer". Quando o policial finalmente remove o joelho, o corpo de Floyd fica mole e sem resposta. Uma pessoa por perto pode ser ouvida dizendo "eles o mataram". Floyd foi levado para um hospital, onde foi declarado morto. Um comunicado da polícia disse que Floyd parecia estar com "dificuldades médicas", mas não mencionou que ele estava preso ao chão com o peso de um policial comprimindo suas vias aéreas.
O vídeo da morte de Floyd é horrível, mas não surpreendente; terrível, mas não incomum, representando um tipo de incidente que é periodicamente reencenado nos Estados Unidos. É necessário e, a este ponto, banal observar que o policiamento neste país é mediado pela raça. Na terça-feira, em Minneapolis, centenas de manifestantes, muitos deles usando máscaras para se proteger da COVID-19, enfrentaram a pandemia para protestar no local em que Floyd morreu. Do lado de fora de uma delegacia próxima, carros de polícia foram atingidos por pedras e os policiais responderam disparando gás lacrimogêneo. Mas, vinte e quatro horas após a exibição do vídeo, o Departamento de Polícia de Minneapolis demitiu o policial que se ajoelhou em Floyd e três outros que estiveram no local. O prefeito Jacob Frey twittou que as demissões foram “a decisão certa”, mas aqui, também, o contexto é importante.
Em novembro de 2015, a polícia que respondeu às chamadas sobre uma discussão entre um homem e uma mulher no norte de Minneapolis atirou fatalmente em um homem afro-americano de 24 anos chamado Jamar Clark. A polícia e os paramédicos no local alegaram que Clark resistiu à prisão e tentou pegar a arma de um policial; os espectadores alegaram que ele estava algemado e no chão quando o tiro foi disparado. A morte de Clark foi seguida por mais de duas semanas de manifestações do lado de fora da Quarta Delegacia de Polícia em Minneapolis, lideradas pelo grupo Black Lives Matter; uma tentativa de interromper as compras de fim de ano no Mall of America, em protesto; e o desprezo em massa dos moradores negros que, dois anos depois, levaram a prefeita Betsy Hodges a perder a reeleição. Diante dessa história, Frey foi inequívoco sobre a culpa da polícia na morte de Floyd. "Ser preto nos Estados Unidos não deveria ser uma sentença de morte", disse ele na terça-feira.
A questão maior, no entanto, é se os policiais envolvidos enfrentarão consequências legais. A área das Twin Cities tem sido uma grande parte do diálogo sobre o uso da força pela polícia. No ano seguinte à morte de Clark, Philando Castile foi morto a tiros em Falcon Heights, Minnesota, por um policial que ficou alarmado porque Castile tinha uma arma em seu carro, mesmo que ele se identificasse como proprietário de uma arma licenciada. (A namorada de Castile registrou as consequências do tiroteio em seu telefone.) Em 2017, Justine Damond foi morta a tiros por um policial que estava respondendo à sua própria chamada sobre um possível ataque ocorrido atrás de sua casa em Minneapolis. Nenhuma acusação foi feita contra os policiais envolvidos na morte de Clark. Jerônimo Yanez, o oficial que matou Castela, foi demitido do departamento, mas foi absolvido de acusações de assassinato em segundo grau. Mohamed Noor, o oficial que atirou em Damond, foi condenado por assassinato em terceiro grau e homicídio culposo em segundo grau, e foi condenado a doze anos e meio de prisão. O caso de Damond foi atípico, tanto no que se refere ao assassinato fatal de uma mulher branca por um oficial negro de ascendência somali, quanto ao fato de que Damond era uma cidadã australiana, o que gerou pressão internacional por uma condenação no caso. Nenhuma acusação foi feita contra o policial Daniel Pantaleo, envolvido na morte de Eric Garner, em Staten Island, cuja prisão também foi gravada em vídeo por um espectador e tem sido amplamente referenciada desde a morte de Floyd. (Ele foi demitido do departamento em 2019.) Por uma coincidência estranha, "American Trial" (“Julgamento Americano”, em tradução livre), um filme que apresenta um julgamento simulado de Pantaleo por assassinato, acabava de ser lançado.
A investigação sobre a morte de Floyd também existe no contexto de uma investigação em andamento sobre a morte de Ahmaud Arbery, um homem afro-americano de 25 anos que foi baleado no sudeste da Geórgia quando dois homens tentaram decretar a prisão de um cidadão enquanto um terceiro gravou um vídeo do incidente. Há ainda outra investigação da força policial fatal em Louisville, Kentucky, onde Breonna Taylor, uma técnica de emergência médica afro-americana de 26 anos, foi morta a tiros em seu apartamento por policiais que estavam realizando uma operação antidrogas contra sua família, que alegou ser o endereço errado.
Há mais a ser dito sobre o crescente gênero de vídeos que capturam a morte de pretos americanos e a complexa combinação de repulsa e compulsão que acompanha a exibição deles. Eles são o documentário macabro dos eventos atuais, mas resta saber se eles fazem mais para humanizar ou objetivar as figuras no centro de suas narrativas. A morte é um fenômeno íntimo demais para não ser distorcido por uma audiência de massa. Ontem, poucos de nós sabíamos quem era George Floyd, com o que ele se importava, como ele vivia sua vida. Hoje, não o conhecemos melhor, a não ser pela maneira sombria como essa vida chegou ao fim.
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