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Fazendo o bem e sendo racista

"Fazemos o bem, portanto acreditamos que somos bons".

 

Link: https://www.thenewhumanitarian.org/opinion/2020/06/15/United-Nations-racism-black-lives-matter?utm_source=twitter&utm_medium=social&utm_campaign=social

Veículo: Thenewhumanitarian.org

Data de publicação: 15/06/2020

Autorx: Corinne Gray

Título original: Doing good and being racist

‘We do good, therefore we believe we are good.’

Traduzido por/Translated by: Hannah Hebron

 

BARCELONA


O secretário-geral da ONU adivinhou que deve haver racismo na ONU, porque há racismo em toda parte. Mas então ele disse a sua equipe para não participar de protestos. E então ele voltou atrás. Isso é demais...


Sua lógica original era sólida. Sinceramente, fico feliz em ouvir a ONU reconhecer isso. Mas admitir o racismo e, ao mesmo tempo, negar à sua equipe racializada o direito de protestar abertamente, foi particularmente cruel. Também me parece incrivelmente familiar, quando penso na minha experiência no mundo humanitário.


Durante meu tempo como funcionária de uma agência da ONU em Genebra, eu era a única pessoa negra da minha equipe. Na verdade, eu costumava ser a única pessoa negra em muitas salas de reunião. Embora eu descrevesse cada um dos meus ex-colegas como “boas pessoas”, eu mentiria se dissesse que nunca senti racismo enquanto estava na ONU. Porque sim, o racismo está em toda parte. E, embora gostemos de pensar que somos boas pessoas devido à própria natureza do nosso trabalho, nosso humanitarismo não nos impede de exibir racismo. De muitas maneiras, nosso humanitarismo o reforça.


O comprometimento excessivo com ideais como imparcialidade e neutralidade pode silenciar as pessoas de cor, forçando-as a encontrar um dito tom "certo" para enfrentar o racismo.


Experimentar o racismo, não importa quão sutil, é dolorido. E, às vezes, respondemos com dor. Mas muitas vezes, quando abordamos isso, a conversa muda para o nosso tom. De repente, nos sentimos pedindo desculpas por deixar um colega desconfortável quando o pressionamos contra um comentário racista. De repente, nos encontramos em um mundo onde o ato de destacar e denunciar o racismo é mais ofensivo do que o próprio racismo.


Os humanitários também estão comprometidos demais com a idéia de nossa bondade inerente. E isso é compreensível. Trabalhando em uma organização sem fins lucrativos dedicada a "fazer o bem", o trabalho em si é um sinal de virtude. Fazemos o bem, portanto acreditamos que somos bons. Muitos de nós instintivamente consideram o racismo uma coisa ruim feita apenas por pessoas más. Portanto, argumentamos que, se o racismo é ruim, e se nós somos bons, nunca podemos ser racistas. O que é problemático nessa mentalidade é que ela não deixa espaço para explorar nenhum de nossos preconceitos raciais implícitos. Ao negar sua própria existência, criamos culturas de trabalho que enterram o racismo em vez de o confrontar.


E, portanto, em algum ponto entre seu desconforto e sua negação, as pessoas de cor param de abordar o racismo no setor humanitário porque parecemos não ter descoberto a resposta adequadamente neutra para uma ferida de 400 anos.


Não pode haver conversa honesta sobre o racismo na ONU ou em qualquer outro local de trabalho, se você dita a maneira com que esse assunto é tratado. E certamente também não acontecerá se você planeja ser "imparcial".


O único caminho a seguir é enfrentá-lo e aceitar que, se o racismo está em toda parte, ele também pode estar em nós. Admitir isso pode ser difícil, mas é empoderador. É empoderador, porque você nunca será capaz de eliminar qualquer um de seus preconceitos raciais implícitos se continuar acreditando que não os possui. E, embora isso possa não necessariamente afetá-lo pessoalmente, se você estiver em uma posição de poder, são esses preconceitos que fazem a diferença para quem é promovido ou em quem se senta à mesa.


Enquanto eu estava na ONU, foi a cor da minha pele que atrapalhou o progresso. Eu estava sendo considerada para uma promoção para uma posição de liderança mais sênior dentro da agência. No final, a boa dama encarregada de tomar essa decisão argumentou que não poderia me escolher porque sabia que eu não seria capaz de exigir nenhum respeito entre outros líderes sêniores. Isso é algo condenador e esmagador de almas. Aqui temos a liderança admitindo - para outras pessoas, não diretamente para mim - que uma mulher negra de aparência jovem não será capaz de exigir respeito entre seus colegas. Mas, em vez de abordar o racismo que nega continuamente aos negros qualquer conhecimento ou autoridade no local de trabalho, negamos a eles uma promoção. Porque, suponho, isso é mais fácil.


Também fui informada sobre meu “tom” e minha “personalidade forte”, enquanto ouvia meu chefe branco gritar com as pessoas e se referir a colegas usando a “palavra c”. O chefe da minha unidade costumava dizer “calada” para minha colega racializada porque ela era “muito barulhenta”.


Como mulheres de cor, aprendemos rapidamente que existem dois padrões de comportamento. Eu encontrei uma cultura que celebrava agressividade e liderança autoritária em homens brancos, enquanto punia simultaneamente as mulheres negras por terem os mesmos traços. E assim, eu constantemente verificava e policiava meu tom apenas para evitar me tornar o estereótipo de alguém em um determinado dia. Mas isso era cansativo e acabou afetando minha saúde mental.


Eventualmente, eu desisti.


Este não é o momento de silenciar ainda mais as vozes de pessoas de cor. Este é o momento de amplificá-las. Quando elas começarem a falar aberta e livremente, resistiremos ao desejo de policiar seus tons de voz ou negar o que é uma experiência amplamente compartilhada.


Mais importante, vamos mudar nosso foco de declarar: "Mas eu não sou racista!" a nos perguntar: “De que maneira eu posso estar sendo racista sem me dar conta? De que maneiras meus preconceitos raciais implícitos podem afetar a maneira como trato colegas racializados? ” E esse é o verdadeiro trabalho do anti-racismo.


Como descreve uma das minhas escritoras favoritas, Ijeoma Oluo, “a beleza do anti-racismo é que você não precisa fingir que está livre do racismo para ser um anti-racista. Anti-racismo é o compromisso de combater o racismo onde quer que você o encontre, inclusive em si mesmo. E é o único caminho a seguir. "


O racismo é feio e não será resolvido em nenhuma instituição com uma rodada de consultas organizadas ao estilo da ONU. Permita que as pessoas sejam claras e viscerais sobre suas experiências. Permita que eles digam ao mundo o quão irritados estão com a injustiça racial. Vamos marchar com o punho levantado e declarar publicamente que o racismo é inaceitável e vai contra nossos direitos fundamentais. Não é isso que um bom humanitário faria?

 

Este post é parte do projeto Traduções LIVRES, que faz traduções livres de matérias e artigos produzidos originalmente em inglês por diversos veículos estrangeiros. Não existe nenhuma intenção comercial por trás da disponibilização desse conteúdo, apenas uma vontade de levar informação para quem não domina o idioma. Não possuímos nenhum direito sobre o conteúdo aqui disponibilizado, nem somos autorxs/produtorxs de nenhuma dessas matérias.

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For any inquiries: hannahebron@gmail.com



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