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Racismo, ao invés de fatos, conduziu às proibições de viagens nos Estados Unidos

Atualizado: 6 de jun. de 2020


 

Veículo: theintercept.com

Data de publicação: 16/05/2020

Autor: Joe Penney

Título original:

Racism, Rather Than Facts, Drove U.S. Coronavirus Travel Bans

Traduzido por/Translated by: Luísa Brasil

 

Em 1º de Maio, os Centros para Controle e Prevenção de Doenças (CDC – do inglês Centers for Disease Control and Prevention) publicaram um relatório que delineava como o coronavírus se propagou nos Estados Unidos (EUA) por meio de viagens da Europa para a área metropolitana de Nova York, ainda que a narrativa popular fosse de que a China era o principal canal para a doença. Então, por que os Estados Unidos foram tão ágeis em barrar vôos provenientes da China, mas lentos quando em relação à Europa?

Experts dizem que se trata de legisladores informados com um racismo arraigado e a visão favorável da mídia em relação aos países europeus, e que, ainda que com evidências diretas do contrário sendo apresentadas, esses vieses impediram a tomada de medidas de saúde pública importantes as quais teriam mantido as pessoas seguras.

“Raça e racismo impediram os EUA de reconhecer a Europa como uma ameaça”, diz Khiara Bridges, antropóloga e professora do curso de direito na Universidade da Califórnia, Berkeley.

Do momento em que a proibição de viagens da China feita pelo presidente Donald Trump teve efeito em 1º de fevereiro até a proibição de vôos da Europa em meados de março, mais de 10.000 vôos de zonas altamente atingidas pelo coronavírus na Europa entraram nos EUA, trazendo aproximadamente 2 milhões de passageiros, muitos dos quais chegaram através de Nova York. O mapeamento do sequenciamento de genoma mostra que a maioria dos casos de Nova York vêm da Europa, e que outras áreas do país também adquiriram o vírus a partir de Nova York. O relatório do CDC foi publicado mais de duas semanas após um relatório do Intercept que analisava dados de vôos, assim como os índices de casos de coronavírus nos estados e esboçou as mesmas conclusões.

Se as viagens da Europa tivessem sido interrompidas três semanas antes, o relatório do CDC sugere que, o vírus não teria se espalhado completamente por Nova York, Nova Jersey e Connecticut, e, potencialmente, dezenas de milhares de vidas poderiam ter sido salvas. Quando perguntados por comentários sobre qual a importância da raça nesse timing para proibições de viagens, os Institutos Nacionais de Saúde disseram para contatar o CDC, e o CDC disse para entrar em contato com a Casa Branca, a qual não respondeu.

Tentativas antecipadas, frequentes e racistas feitas por Trump e oficiais da administração para culpar a China pela propagação da Covid-19, como ao se referir como “vírus de Wuhan”, desempenharam um importante papel no estabelecimento de uma narrativa que excluía a Europa. Mas o viés vai além dele e da profundamente arraigada sociedade americana, explicou a Dra. Jennifer Tsai, uma médica especialista em Medicina de Urgência a qual estudou o impacto do viés racial na educação médica estadunidense.

“Existe uma clara conexão entre xenofobia e ideias da fonte [da doença] e o perigo de ameaças, e como mais facilmente isso direciona mapeando em negatividade para a China e o estrangeiro, e como é muito menos provável que seja direcionada à ideia de Europa e branquitude”, disse Tsai. “Parece para mim que isto está certamente associado com os resultados que estamos vendo em relação a isso”.

As Chinatowns nos EUA foram injustamente apontadas como sendo fonte de propagação de doenças no passado, especialmente durante os surtos de pragas na virada do século XX no Hawaii e na Califórnia. Este viés racial tem sido visto largamente durante esta pandemia, ao ponto que a UC Berkeley listou “Xenofobia: medo sobre interação com aqueles que podem ser da Asia” como uma “reação normal” ao coronavírus. Artigos que dissecaram como as viagens da China propagaram o vírus foram abundantes no início do surto, porém as poucas histórias que focaram nas viagens europeias foram majoritariamente produzidas após estudos científicos com amplas provas do papel da Europa serem publicados.

“Não é incomum que os lugares que são considerados fortalecedores ou afirmativos, são também presumidos como seguros, livres de riscos existenciais. A Europa na imaginação americana é um lugar onde estas presunções são projetadas: um lugar para visitar e explorar como um patrimônio, para fazer parte e reivindicar”, disse Adia Benton, antropóloga na Northwestern University. “Uma leitura mais insidiosa e implícita desta noção de pertencimento é que a Europa é equiparada em branquitude e civilização: um porto seguro e, desta forma, não uma parte da origem da história da pandemia”, ela adicionou.

Alguns políticos reagiram com surpresa ao relatório do CDC. O governador de Nova York, Andrew Cuomo, disse em uma coletiva de imprensa em 6 de maio que “ninguém disse que estava vindo da Europa. Pessoas que visitaram da Europa simplesmente passaram pelo aeroporto. Ninguém disse aos nova-iorquinos, tenha cuidado se você esteve com alguém que veio da Itália, tenha cuidado, eles podem ter o vírus. Ninguém disse isso. Então é totalmente novo”. (A porta-voz de Cuomo, Caitlin Girouard, disse ao The Intercept que “ninguém” no pronunciamento do governador no dia 6 de maio refere-se ao “governo federal”).

Na realidade, as notícias de que o coronavírus estava se propagando através da Europa era uma das principais histórias na mídia em todo o mundo no final de fevereiro e começo de março. A Itália reportou a primeira morte por coronavírus em 22 de fevereiro, e em 1º de março já contabilizava 1.694 casos e 100.000 pessoas em quarentena. Em 3 de março, o governo francês tinha fechado mais de 100 escolas, assim como pilares do turismo como o Louvre e dito aos seus cidadãos para não se cumprimentarem com beijos. Em 2 de março, a União Europeia elevou o nível de risco de contração da Covid-19 de moderado para elevado.

Tsai disse que a inabilidade de reconhecer como os viajantes europeus poderiam ser potenciais vetores da doença é tão profunda que não pode ser sempre combatida efetivamente com fatos. “As pessoas estão tão preparadas para seguir certos caminhos mentais quando expostas a coisas como raça e identidade, são tão arraigadas e imersas, que até dados e evidências muito francos não podem puxá-las destes modos de pensar ou este tipo de teorização”, disse ela.

Ambas as restrições à China e à Europa foram reações a eventos que já haviam ocorrido e poderiam ter, em geral, um efeito limitado, disse Benton. A China já tinha fechado os vôos da região de Hubei, onde o surto começou, em 23 de janeiro, o que significa que já existia uma proibição de vôos de fato acontecendo no momento em que foi formalizado o que teve efeito em 1º de fevereiro. Os vôos da Europa também tinham diminuído significativamente quando as proibições entraram em vigor seis semanas depois.

Por causa do período de incubação da doença, “muitas destas decisões das políticas são baseadas em informações velhas. E isto é o que geralmente ocorre com as epidemias”, explicou Benton. “As restrições de viagens são até certo ponto parte do teatro da segurança”, disse ela.

O racismo tem sido evidente na reação doméstica ao coronavirus, também, como visto nas imagens amplamente compartilhadas justapondo oficiais de polícia calmamente entregando máscaras para pessoas brancas sentadas em parques públicos, enquanto violentamente prendendo pessoas pretas e latinas em outras partes da cidade. “Quais tipos de populações, identidades e fenótipos são considerados seguros o suficiente para ter direito à libertação ou não, para o efeito ostensivamente de segurança social?” perguntou Tsai.

O viés racial também desempenhou um papel negativo em como as medidas básicas de saúde, como usar uma máscara, eram percebidas no início. Americanos “sempre viram as máscaras faciais como algo que outros fazem, que pessoas não-brancas e países não-brancos fazem”, disse Bridges.

A propagação do coronavírus nos EUA tem atingido profundamente comunidades pretas, indígenas e latinas, evidenciando o racismo endêmico na assistência médica, no mercado de trabalho, renda, habitação e mais. O perigo que o vírus por si seja racializado impõe uma ameaça direta a essas comunidades e todo mundo no país, disse Bridges. “Meu medo é que se as pessoas vierem a associar Covid-19 com mortes não-brancas, se vier a ser associada à morte de pessoas pretas, qualquer determinação que os EUA tinham para competente e humanamente gerenciar a pandemia terá sido perdida”.

 

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