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Depois de disputa pelo controle da PF, batidas policiais têm como alvo rivais políticos de Bolsonaro


 

Veículo: Theintercept.com

Data de publicação: 31/05/2020

Autorx: Rafael Moro Martins

Título original: After a fight over control of Brazil's Federal Police, raids target Bolsonaro's political rivals

Traduzido por/Translated by: Nina Soares

 

A Polícia Federal brasileira realizou duas operações em dias consecutivos esta semana tendo como alvo oponentes políticos e aliados do presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro. As operações levantaram questões em torno das crescentes evidências que o equivalente brasileiro ao Federal Bureau of Investigations (FBI) – a agência no centro de uma recente luta dramática por poder na administração de Bolsonaro – está sendo impulsionado por objetivos políticos, aprofundando a crise envolvendo as instituições democráticas do país.


Na terça-feira, em uma operação ostensiva, a Polícia Federal bateu na porta da residência oficial do governador do Estado do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, e 11 outras localidades simultaneamente. O Procurador Geral da República e a Polícia Federal alegaram que Witzel dirigia um grupo que pode ter fraudado e desviado dinheiro destinado para hospitais de campanha para combater a pandemia do coronavírus no Rio. O celular e computador de Witzel foram apreendidos.


As suspeitas não eram sem fundamentos. A possível fraude foi exposta pela reportagem de um jornalista independente; uma instância superior autorizou as operações policiais; e os hospitais de campanha ainda não estão funcionando em sua capacidade total mesmo depois de três meses da crise do Covid-19 no Brasil.


Ainda assim, a operação levantou suspeitas: Witzel se tornou um dos dois principais rivais conservadores de Bolsonaro no cenário nacional. Além disso, Bolsonaro está sendo investigado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por interferência política no comando da mesma Polícia Federal que visou Witzel – alegação feita pelo ex-ministro da justiça do presidente, Sergio Moro, que renunciou como resultado da contenda.


Um dia após as perguntas levantadas sobre a influência política na polícia seguida pela operação contra Witzel, a Polícia Federal, com ordens do STF, se voltou contra os aliados de Bolsonaro. O STF havia um aberto um controverso inquérito para investigar “fake news” (notícias falsas) sobre a própria corte, estabelecendo ações da Polícia Federal contra blogueiros, influenciadores de mídias sociais, e empresários conectados a Bolsonaro. Ainda que ninguém tenha sido preso, houve a quebra do sigilo bancário e telefônico dos suspeitos. O caso também envolverá depoimento em tribunal de políticos próximos a Bolsonaro.

Vou interferir e ponto final


Alegações acerca da Polícia Federal aumentaram no final de abril quando Sergio Moro, então ministro da justiça de Bolsonaro, afirmou que o presidente buscou um nível inapropriado de controle sobre o trabalho da Polícia Federal.


Moro era, de certa forma, um improvável adversário de alta-notoriedade. O ex-juiz se tornou uma celebridade nacional em abril de 2018 quando mandou para a prisão o ex-presidente de esquerda Luiz Inácio Lula da Silva como parte da Operação Lava-Jato, um abrangente inquérito anticorrupção. Sete meses depois, Moro aceitou o convite de Bolsonaro para atuar como Ministro da Justiça e se tornou uma das peças fundamentais da administração de extrema-direita do presidente. Em 2019, o Intercept publicou uma série de reportagens em português e inglês que lançaram luz sobre os métodos e o viés político da Operação Lava-Jato.


Em abril, Moro renunciou em meio a alegações de que Bolsonaro queria que ele substituísse o comandante da Polícia Federal, gerando um furor político. Moro disse que os objetivos do presidente eram políticos: Bolsonaro queria proteger seus filhos e aliados políticos, que são alvo de diversas investigações policiais. Na declaração anunciando sua renúncia, que foi transmitida ao vivo nas maiores redes de notícias, Moro culpou a pressão de Bolsonaro pela sua decisão. Suas palavras incitaram uma investigação no Supremo Tribunal Federal.


Em resposta às demandas por evidências, Moro mencionou uma reunião ministerial que ocorreu dias antes de sua renúncia e foi gravada em vídeo. O vídeo chocou o Brasil quando foi divulgado pelo STF. Em meio a gritos e xingamentos – a maioria do próprio Bolsonaro – ministros na reunião exigiram a prisão de juízes do STF, governadores e prefeitos que estavam sendo vistos como obstáculos ao governo. Houve, inclusive, menção ao uso da distração causada pelo coronavírus para adotar medidas destinadas a desmantelar a estrutura legal que protege a Amazônia e outros recursos naturais.


Ainda assim, Bolsonaro roubou a cena. Dentre os insultos direcionados aos seus oponentes políticos – Witzel e o governador de São Paulo João Doria – ele deixou escapar que brasileiros deveriam se armar, ordenou a Moro que assinasse um decreto aumentando o limite de compra de munição permitida como “um recado pra esses bostas”, se referindo aos governadores e prefeitos. O decreto foi publicado no dia seguinte.


Talvez o mais notável, Bolsonaro foi claro sobre suas intenções para a Polícia Federal. Ele reclamou da baixa qualidade das informações de inteligência do governo e da sua segurança pessoal. O presidente não mencionou especificamente qual o âmbito da polícia, mas não era necessário. “Eu vou interferir”, ele disse, olhando na direção de Moro. “Ponto final.”

Eu só quero uma


Com Moro fora do caminho, Bolsonaro rapidamente mudou o comando da Polícia Federal. Primeiramente, ele indicou um policial que frequentou festas de um de seus filhos, Carlos Bolsonaro, que está sendo investigado no inquérito sobre fake news. Bolsonaro, inclusive, declarou publicamente que seu indicado era um amigo pessoal. Porém, o STF barrou a nomeação alegando que isso prejudicaria a independência da Polícia Federal. Bravo com a decisão, Bolsonaro inicialmente sinalizou que iria ignorar o STF, mas eventualmente cedeu e indicou Rolando Alexandre de Souza, outro policial próximo de sua administração.


Assim que Souza assumiu, ele fez mudanças no comando regional da superintendência da Polícia Federal no Rio. As mudanças trouxeram algum alívio ao presidente. Seu filho mais velho, Flávio Bolsonaro, senador desde 2018, está sob investigação pela Polícia Federal e local no Rio por roubo de salário dos seus assessores, além de usar os fundos em esquemas envolvendo crime organizado.


De acordo com o depoimento de Moro na investigação do STF, era justamente sobre a superintendência da Polícia Federal do Rio, que investiga Flávio Bolsonaro, que o presidente queria controle. “Você controla todas as superintendências”, Bolsonaro disse a Moro, de acordo com o depoimento do ex-ministro. “Eu só quero uma, a do Rio de Janeiro.”


O novo comandante da polícia federal no Rio tomou posse na segunda-feira, 25 de maio. Na terça-feira, a operação policial bateu na porta de Witzel. Witzel, um ex-juiz que é novo na política e ganhou como parte de uma onda de vitórias ultraconservadoras em 2018, foi pego de surpresa.


Alguns dos aliados de Bolsonaro, no entanto, pareciam ter conhecimento prévio das operações. Na segunda-feira, Carla Zambelli, membro do congresso e uma das defensoras mais fervorosas e próximas de Bolsonaro, disse durante uma entrevista via rádio que “alguns governadores estão sob investigação pela Polícia Federal” por crimes cometidos em meio à luta contra a pandemia. No mesmo dia, Eduardo Bolsonaro, membro da Polícia Federal e do congresso, sugeriu em suas redes sociais que uma operação era iminente.


O processo que levou às operações aconteceu em tempo recorde. A revista Piauí reportou que o Procurador Geral Augusto Aras, outro indicado de Bolsonaro, emitiu as intimações contra Witzel em menos de uma semana após ter recebido registros relacionados ao inquérito. Na segunda-feira, horas antes da operação contra Witzel, Bolsonaro fez uma visita não anunciada ao gabinete de Aras. No mesmo dia, Zambelli e Eduardo Bolsonaro comentaram sobre a operação.


Apesar do escândalo em torno de Witzel ser plausível – a empresa de sua esposa era o suposto destinatário de grandes pagamentos pelos possíveis fraudadores – o prospecto da interferência de Bolsonaro lhe ofereceu um bode expiatório. Witzel disse à imprensa que o Brasil é “governado por um líder que está perseguindo politicamente aqueles que considera inimigos”, acrescentando que Bolsonaro é “um fascista”.


Witzel não estava sozinho em lançar dúvidas dos motivos por trás da operação. João Doria, governador de São Paulo e outro rival conservador de Bolsonaro, expressou desconforto com a operação: “Sugere uma escalada autoritária que é preocupante.”

O Supremo contra-ataca


Para Bolsonaro, entretanto, a ameaça mais imediata pode não vir das alegações de investigações com motivação política. De fato, ainda que os aliados de Bolsonaro comemorassem as operações contra rivais políticos na segunda-feira, questões legais estavam surgindo para alguns desses apoiadores. Na quarta-feira, diversos aliados proeminentes de Bolsonaro foram alvos da polícia em um inquérito liderado pelo STF contra as fake news.


Proprietários de blogs de direita, inclusive algumas das figuras ultraconservadoras mais influentes da internet brasileira, foram alvo de mandados de busca e apreensão. Os celulares e computadores foram apreendidos. Apesar de não ser um alvo, Carlos Bolsonaro, filho do presidente, parece ser uma figura na investigação. Carlos é conhecido como o chefe informal do “gabinete do ódio” – um apelido dado aos assessores presidenciais que executam a estratégia de Bolsonaro nas redes sociais – grupo ligado a alguns dos alvos da investigação.


Esse inquérito é único no sistema legal brasileiro, em que o Superior Tribunal Federal investiga crimes e ameaças contra seus próprios membros. O juiz encarregado, Alexandre de Moraes, era, ele mesmo, um dos alvos da operação das fake news e seus colegas podem ser chamados a julgar crimes em que eles são as vítimas. A natureza peculiar e sem precedentes da investigação – que não é ilegal em si mesma, mas tira vantagens das lacunas na legislação brasileira – levanta questões sobre a imparcialidade do Supremo no assunto em questão, e até o fantasma da jurisprudência autoritária inexplicável.


Não obstante, o inquérito iniciado pela operação da quarta-feira está previsto para atrair até mesmo membros do Congresso. Zambelli, membro do congresso que falou publicamente sobre as operações de terça-feira, terá que depor. Empresários que possuem laços estreitos com Bolsonaro terão seus registros financeiros examinados, entre eles Luciano Hang, o comunicativo dono de dezenas de mega-lojas. Isso pode, no fim das contas, colocar a campanha de Bolsonaro ao alcance das investigações: o jornal Folha de S. Paulo reportou há quase um ano que o empresário financiou a distribuição de conteúdo, pelo menos parcialmente baseado em notícias falsas, a favor da candidatura de Bolsonaro pelo WhatsApp, um serviço de mensagens popular no Brasil.


Talvez a única grande instituição política conservadora que ainda não tenha contribuído com o recente inquérito das fake news são os militares. Oficiais militares aposentados com laços com Bolsonaro – inclusive o general do exército aposentado que comanda o Ministério da Defesa – têm expressado publicamente, de tempos em tempos, seu descontentamento com decisões do Supremo que eles têm visto como um ataque à autonomia do presidente, que consideram um canal de poder. Uma dessas ocasiões foi o veto do STF à escolha de Bolsonaro para o comando da Polícia Federal.


No entanto, os militares, como o próprio Supremo, têm sido alvos da máquina de notícias falsas da extrema direita. Sempre que um oficial militar aposentado no governo toma decisões que pareçam desagradar aos Bolsonaros, informações deturpadas sobre eles infiltram-se na internet. Portanto, havia muito poucas queixas dos quartéis sobre o inquérito das fake news.


Mas, se o inquérito das fake news começar a ameaçar o governo Bolsonaro – que os militares veem como um canal para o seu próprio empoderamento – isso mudaria rapidamente. Com as coisas se movendo tão rápido na política caótica do Brasil, isso pode ser em questão de dias.

 

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